Laura Redfern Navarro é poeta e quase-formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Toca a plataforma literária independente @matryoshkabooks, focada em literatura brasileira contemporânea. Pesquisa o testemunho enquanto subversão do trauma, do feminino e do corpo em “O Martelo”, de Adelaide Ivánova. Publicou, em 2020, o livro Matryoshka (Desconcertos) e colabora com a equipe de poetas da FaziaPoesia desde 2021.
Há um pouco de sangue libanês
De minha avó
Na ponta de meu nariz e braços e ombros
As agulhas enferrujadas
penetraram o meu corpo
E você pode vê-las
– mas não muito a fundo –
Dentro de mim há um pouco
De tudo da poeira das ruas
Dos cheiros tão seus que quase enjoei
Uma tarja larga e branca sobre meus olhos
Arranco palavras e me torno
Parte delas
– poço lotado de um vazio inexistente –
Eu abro as bonecas
E me vejo virada para o espelho
Pronta para quebrá-lo em pedaços
No café da tarde
Há um copo meio cheio
Com um pouco de saudosismo
Cheiro de louça quebrada e
Partida
E recolada
– a mãe da Rússia –
Mesmo que eu não
Fosse eslava
(emprestei o vermelho
Igual ao meu batom)
Eu adotei o que
Podia.
E então me descasquei
feito uma cebola
E você nunca
me conhecerá por completo
se não me dissecar
como um sapo
– engoli todos –